quinta-feira, 15 de abril de 2010

Ceci n’est pas Modern Art?


Propus-me fazer experiências pictóricas que contenham, tanto quanto possível, a inteira experiência do meu espaço.

Antes de ser esticado, o pano foi pintado no chão para que a sua construção inicial se aproxime mais do acto do desenho que da pintura. Quis resolver os problemas de composição e acumulação de tinta da mesma forma que acontece nos elementos riscadores. Trabalhando no chão a tela é pisada, dobrada e usada mais rudemente. O trabalho contém em si a vivência do dia-a-dia.

Em termos de método, utilizo a criação de elementos e a sua repetida eliminação. Faço e refaço, sobrepondo informação. A sobreposição de elementos resulta da constante avaliação do trabalho já feito. O tempo é o que me dá a certeza do que pertence ao resultado final e do que é supérfluo. Nenhuma parte da pintura tem qualquer existência assegurada até ao momento do seu término. Devido a esta adição, as camadas criam por vezes uma superfície irregular que permanece como memória das fases anteriores.

O método é de importância essencial. A tela acaba por ficar sobrecarregada de matéria. O trabalho arrasta-se, por vezes durante vários meses, até estar terminado. Quero que se sinta a carga do tempo e da procura. O contínuo apagar é fruto da minha própria insatisfação face ao resultado. Se um trabalho me parece finalizado, passa então pela etapa de contemplação. Na qual observo a pintura dia após dia. De forma a perceber se o resultado se eleva a uma obra acabada. Uso vários níveis de representação, linguagem escrita, imagens e elementos abstractos. Sinto a necessidade de usar sempre elementos de qualquer tipo, desde que se adequem ao propósito.

Explorei em alguns trabalhos uma saturação excessiva, para que as figuras se confundam com o fundo e a imagem tenha uma validade psicadélica. Nestes casos, existem apenas algumas partes reconhecíveis ou legíveis. Procurei jogar com a densidade de cores, formas e palavras para se perder a estrutura inicial e me libertar da vontade de criar uma composição harmoniosa.
Pretendi desenvolver uma imagem forte com pontos de interesse dissimulados, para que o resultado derive do aparente caos.

Não sinto a falta de criar trabalhos herméticos.

O nível da compreensão do observador é muito tido em conta. Não acredito em arte da qual o espectador não seja capaz de retirar algo que reconheça. Acho essencial que possa relacionar-se com a obra. Seja uma frase ou seja uma figura infantil, procuro que qualquer pessoa possa fazer a sua leitura e interpretação.

Rodolfo Bispo
Março de 2010

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